Total de recursos investidos por empresas e fundações filantrópicas foi 41% superior ao registrado em 2019
Por Denise Neumann — Para o Valor, de São Paulo
A mobilização da sociedade civil para combater a pandemia da Covid-19 pode ter deixado como legado para o país um novo patamar de investimento social corporativo. O volume total de recursos alcançou R$ 4,1 bilhões em 2021, segundo a pesquisa Benchmarking do Investimento Social Corporativo (BISC), a primeira a trazer resultados consolidados do ano passado. Embora indique queda de 27% em
relação a 2020 (recorde da série em função das mobilizações de combate aos efeitos da pandemia), o volume representa alta real de 41% na comparação com 2019.
A mesma pesquisa apontou que 55% dos investidores sociais pretendem manter os recursos investidos nos próximos anos e outros 27% planejam aportes maiores. “São esses 82% que nos deixam otimistas quanto a um novo patamar em torno de R$ 4 bilhões ao ano”, explica Patrícia Loyola, diretora da Comunitas, organização da sociedade civil que atua com investimento social privado e é responsável pelo levantamento. Antes da pandemia, o investimento social privado no Brasil girava em torno de R$ 3 bilhões ao ano. Para Loyola, 2021 marcou a “resiliência” do investimento social privado.
89% das empresas já alinham o perfil do investimento social à estratégia do seu negócio
O levantamento de 2021 consolida mudanças no perfil do investimento social privado. Por origem da filantropia, ele mostra, pela primeira vez, a indústria na frente do setor de serviços e uma participação recorde dos recursos incentivados (29% do total frente a uma média anual entre 20% e 25%). Por setor apoiado, o balanço confirma a redução nos aportes para a área de saúde, mas em percentual inferior ao esperado, e a queda no número de organizações apoiadas pelos investidores sociais, o que reverte a pulverização de 2020.
Loyola chama atenção, contudo, para algumas características que marcam a evolução do investimento social privado, entre elas o alinhamento cada vez mais expressivo da atuação social à área de negócio do investidor e o peso crescente da agenda ESG (sustentabilidade, social e governança na sigla em inglês). Ela cita como exemplo projetos de moradia apoiados por construtoras e siderúrgicas, e programas
de empreendedorismo comunitário e formação de jovens por empresas de serviços que, por característica da operação, têm atuação pulverizada. Entre as empresas, 89% dos investidores já fazem esse alinhamento entre o social e o negócio e as demais 11% têm interesse em se movimentar nessa direção. Nos institutos e fundações, o percentual é de 86%, mas os demais 14% não planejam fazer essa
migração do foco do investimento social. Por outro lado, para 70% dos investidores da rede BISC, o compromisso com a pauta ESG tende a levar a um aumento dos recursos do investimento social.
Em 2020, auge do combate à pandemia, a área de saúde concentrou 43% do investimento social corporativo de R$ 5,6 bilhões (em valores atualizados). Em 2021, essa participação caiu para 12%, mas ficou bem acima dos históricos 4%, pontua Loyola. “A boa notícia para a saúde é que esse setor conseguiu reter parte dos novos recursos que recebeu”, avalia a diretora da Comunitas, ressaltando que é preciso esperar para entender qual será o padrão dos próximos anos.
Por origem, os recursos que a indústria destina são bastante pulverizados (21% em patrocínios culturais e 16% para a saúde no ano passado), enquanto o setor de serviços aposta fortemente na educação (68% do total no ano passado), seguido pela saúde (8%). Outro dado que surpreendeu os pesquisadoras da Comunitas foi o crescimento dos recursos incentivados, que se refletiu no aumento dos recursos
que a indústria destinou ao patrocínio dos eventos culturais. Foram R$ 451 milhões, aumento de 143% sobre 2020, talvez como resposta a uma demanda reprimida de projetos durante a pandemia.
Em 2020, em função da covid-19, que afetou fortemente as comunidades periféricas e a população mais vulnerável, ocorreu uma pulverização inédita dos repasses dos recursos da filantropia. Os investidores da rede BISC apoiaram 2.056 organizações, o triplo das 613 apoiadas em 2019. Em 2021, contudo, houve uma reconcentração e 795 organizações receberam recursos. Loyola pondera que há uma tendência de reforço de organizações intermediárias, que por sua vez repassam recursos e apoiam projetos de grupos menores, o que atende preocupações das empresas e institutos quanto ao compliance e à necessidade de responder pelo uso dos recursos. Por outro lado, organizações comunitárias e periféricas tinham a expectativa de que, após serem acionados durante a pandemia por estarem muito
próximas da população-alvo de vários projetos sociais, pudessem manter o espaço conquistado na atração de recursos da filantropia.
O investimento social da rede BISC representou 0,69% do lucro bruto das empresas. Embora menor que o de 2020 e também levemente inferior à media dos anos anteriores, esse percentual representou a menor distância em relação ao benchmarking dos Estados Unidos, que foi de 0,78% em 2021.
Outra característica crescente do investimento social tem sido o de trabalhar para influenciar políticas públicas. Duas estratégias foram mais citadas nesse campo de atuação: participação direta no apoio à gestão pública de políticas públicas (40%) e participação direta na articulação de parcerias público-privadas para o desenvolvimento de ações de cunho social (60%).
*Texto originalmente publicado pelo Valor Econômico
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