Encontro promovido pelo CIEE destacou a necessidade de requalificar programas de capacitação diante da revolução digital

Crédito da Imagem: Acervo Comunitas
Às vésperas do Dia do Trabalhador, o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) promoveu um encontro na manhã de hoje (29) que reuniu representantes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), empresas e organizações da sociedade civil para debater os avanços e desafios da empregabilidade de jovens no Brasil.
O evento teve como objetivo fortalecer o diálogo entre os setores público e privado na busca por soluções conjuntas para o desemprego, a informalidade e os efeitos da automação sobre as ocupações de entrada no mercado de trabalho. As discussões buscaram integrar políticas públicas, investimento social e estratégias empresariais, visando a construção de caminhos para a transformação do presente e do futuro da empregabilidade no Brasil.
O evento também evidenciou o crescente protagonismo do investimento social privado na agenda da empregabilidade e capacitação profissional. Dados da pesquisa BISC revelaram que 77% das empresas da Rede BISC já direcionam recursos para iniciativas de geração de emprego e renda, capacitação e inserção no mercado de trabalho. No entanto, os debates destacaram que superar os desafios estruturais da empregabilidade juvenil demanda uma atuação integrada – onde políticas públicas, investimento corporativo e inovação social atuem em sinergia para preparar os jovens para as demandas de um mercado em profunda transformação.
O encontro contou com a participação da Diretora de Gestão e Investimento Social Corporativo da Comunitas, Patrícia Loyola, responsável por apresentar os resultados da pesquisa BISC, que monitora o investimento social privado no país.
Também estiveram presentes os representantes do MTE, como o Diretor de Políticas de Trabalho para a Juventude, João Victor Motta, e a Subsecretária de Estatísticas e Estudos do Trabalho, Paula Montagner, que apresentaram dados e análises sobre o mercado de trabalho juvenil no Brasil.
A roda de conversa reuniu importantes nomes do setor empresarial, como a Gerente de Responsabilidade Social da Fundação Sicredi, Keyla Copes Rodrigues; o Gerente de Impacto Social da Ambev, Wallace da Neves Ribeiro; e a Diretora Executiva da Fundação ArcelorMittal, Camila Valverde. A mediação ficou por conta do Superintendente Institucional e de Inovação do CIEE, Rodrigo Dib, e da CEO do IDIS, Paula Fabiani.
Brasil avança na empregabilidade jovem, mas desafios persistem

Paula Montagner, do Ministério do Trabalho e Emprego, apresentando os dados sobre a empregabilidade de jovens no Brasil em 2024. Crédito da Imagem: Acervo Comunitas
Durante o evento, o Ministério do Trabalho e Emprego traçou um panorama do mercado de trabalho para jovens de 14 a 24 anos, revelando avanços e desafios persistentes. A taxa de desemprego caiu de 25,2% em 2019 para 14,3% em 2024, mas ainda é mais que o dobro da média nacional (6,4%). A informalidade também recuou, mas ainda atinge 44% dos jovens, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.
Com 33,6 milhões de jovens nessa faixa etária – concentrados principalmente no Sudeste (39%) e Nordeste (29%) – o relatório também chama atenção para os 5 milhões de jovens que não estudam e nem trabalham (os chamados “nem-nem”), sendo 3,2 milhões mulheres, muitas afastadas do mercado por responsabilidades familiares e domésticas. “Esses jovens estão afastados da sociedade e afastados do convívio daquilo que é a transformação social. E todos nós, que estamos trabalhando, o que a gente mais vê? Mudança ou promessas de mudança e quem está de fora não está acompanhando esse movimento”, alertou Paula Montagner, subsecretária de Estatísticas e Estudos do MTE.
Os jovens que conseguem uma vaga formal ocupam, em sua maioria, cargos de auxiliar administrativo, vendedor ou operador de caixa, com salário médio de R$ 1.800. Ainda assim, 36% pedem demissão de forma voluntária, insatisfeitos com o ambiente de trabalho. “Eles sabem que podem conseguir algo melhor e não hesitam em sair”, explicou Montagner.
Programas de aprendizagem e estágio
Programas de aprendizagem e estágios seguem como portas de entrada para jovens no mercado de trabalho, mas ainda enfrentam desafios estruturais. Atualmente, o país conta com 634 mil aprendizes – número em alta, graças à políticas públicas e à atuação do Ministério do Trabalho. A inclusão avança: mulheres são maioria (53%) e há maior presença de negros e pardos, refletindo a diversidade da população.
No entanto, 71% das vagas estão concentradas em áreas administrativas, como logística e atendimento, justamente as mais ameaçadas pela automação. “Precisamos urgentemente requalificar esses programas para incluir mais vagas em tecnologia e áreas estratégicas”, alertou Montagner. “Do contrário, estamos preparando esses jovens para ocupações que podem deixar de existir em alguns anos”.
Os estágios, que já envolvem quase 1 milhão de jovens, enfrentam outro impasse: baixa remuneração e baixa taxa de efetivação. Muitos ainda não oferecem bolsa ou pagam valores simbólicos, dificultando o acesso de jovens de baixa renda e comprometendo o potencial de inclusão social.
A revolução da IA: qual o futuro do emprego jovem?
A inteligência artificial (IA) representa um risco crescente para o emprego juvenil no Brasil. Segundo os dados apresentados, 70% dos jovens ocupam funções repetitivas, que são altamente suscetíveis à automação – tendência já perceptível em setores como telemarketing e serviços administrativos.
“Estamos diante de uma transformação sem precedentes. A IA avança em meses o que antes levava anos”, alertou Montagner. Cargos como auxiliar de escritório, operador de caixa e alimentador de linha de produção – que somam metade dos empregos entre jovens – estão entre os mais ameaçados.
O estudo traça três cenários para os próximos cinco anos:
- Risco imediato: 44% dos jovens em empregos informais podem ser rapidamente substituídos por sistemas automatizados;
- Janela de oportunidade: áreas como programação e análise de dados cresceram 200% em demanda, mas enfrentam escassez de mão de obra qualificada;
- Novo perfil profissional: funções que integram habilidades técnicas e socioemocionais, como coordenação de equipes digitais, despontam como promissoras.
Apesar dos riscos, Montagner destaca que a IA também pode gerar novas oportunidades. “A IA não é inimiga, mas exige que os jovens desenvolvam habilidades humanas – como criatividade e resolução de problemas – para se manterem relevantes”. Ela também alertou para o risco de ampliação das desigualdades, já que jovens negros e de baixa renda seguem concentrados nas ocupações mais vulneráveis, enquanto brancos com mais acesso à educação já migram para setores menos impactados.
Investimento social corporativo ganha força na agenda da empregabilidade

Patricia Loyola apresentando dados do BISC 2024. Crédito da Imagem: Acervo Comunitas
Durante o evento, Patrícia Loyola apresentou os dados mais recentes da pesquisa BISC, que há 16 anos monitora o investimento social corporativo (ISC) no Brasil. Em tom analítico, ela destacou o papel estratégico das empresas na promoção da inclusão produtiva e da transformação social, reforçando que “não dá mais para falar de impacto relevante sem dialogar com as estruturas de mercado e inovação e também com as políticas públicas”.
A edição de 2024 da Pesquisa BISC aponta que as empresas monitoradas investiram quase R$ 4,5 bilhões de forma voluntária em ações sociais. A mediana dos investimentos gira em torno de R$ 55 milhões, com um número crescente de empresas aportando mais de R$ 100 milhões.
A inclusão produtiva tem ganhado destaque, com 77% das empresas investindo em empregabilidade e capacitação profissional. Em termos quantitativos, os investimentos sociais diretos na temática ultrapassaram R$ 80 milhões em 2023, revelando engajamento expressivo, sobretudo entre empresas industriais com forte presença territorial.
Loyola ressaltou que o ISC pode preencher lacunas das políticas públicas e contribuir para a formação de talentos, especialmente em áreas mais vulneráveis. “A filantropia empresarial tem esse poder de gerar valor compartilhado: atende às necessidades da comunidade e, ao mesmo tempo, fortalece as estruturas do próprio negócio”, afirmou.
Além da formação para o emprego formal, empresas também têm investido em empreendedorismo e desenvolvimento econômico local, reconhecendo os desafios trazidos pelas desigualdades regionais e buscando convergência com a agenda de sustentabilidade e do futuro do trabalho.
Roda de debate

Crédito da Imagem: Acervo Comunitas
Durante a roda de conversa, lideranças empresariais reforçaram a importância da inclusão produtiva como estratégia central para o desenvolvimento social e econômico do país. A mediação do debate foi conduzida por Paula Fabiani, CEO do IDIS, que destacou o potencial transformador do investimento social privado, especialmente quando articulado com políticas públicas e estratégias de negócio. “A filantropia duradoura é uma das principais forças para gerar impacto real e estrutural, inclusive com potencial de influenciar a cadeia de valor das empresas”, afirmou.
O painel evidenciou que, além de responder a demandas sociais urgentes como o desemprego e a informalidade, o investimento em inclusão produtiva também representa uma alavanca estratégica para as empresas, ampliando sua relevância nos territórios em que atuam e fortalecendo seu papel como agentes de transformação.
As lideranças presentes ressaltaram que promover inclusão produtiva exige visão de longo prazo, atuação territorializada e alinhamento com as estruturas de negócios das organizações. Superar modelos pontuais de capacitação e construir trajetórias integradas – que articulem educação básica, formação técnica, desenvolvimento socioemocional e inserção profissional – é um dos caminhos para gerar impactos consistentes.
Entre os aprendizados compartilhados, destacou-se a importância de estabelecer metas claras de ocupação e geração de renda, respeitando a complexidade dos contextos sociais. A diversidade é um eixo estratégico em todas as etapas dos projetos – especialmente no recorte racial, de gênero e regional. “Quando a gente ampliou o programa Jornada Liga STEAM, focamos em mulheres (58% negras) para formação em habilidades computacionais. Não adianta só capacitar se não olharmos para quem mais precisa. Essas jovens estão agora aptas para o mercado, muitas em processos seletivos”, alertou Camila Valverde, diretora executiva da Fundação ArcelorMittal.
Outro ponto central do debate foi a mensuração de impacto. Embora indicadores como renda gerada e taxa de ocupação sejam fundamentais, os participantes reconheceram que avaliar transformação social em larga escala exige metodologias mais robustas e avaliações de médio e longo prazo. “Nós tentamos comparar grupos de controle por pelo menos 1 ano e meio, com 3 avaliações a cada 6 meses. Só assim é possível estimar o aumento real de renda e ocupação. Mas é um esforço enorme, precisa acompanhar as pessoas no longo prazo, e nem todos os projetos que trabalhamos permitem isso”, afirmou Wallace da Neves Ribeiro, gerente de Impacto Social da Ambev.
A conversa também reforçou o papel das redes de colaboração. A construção de alianças entre empresas, organizações da sociedade civil e setor público é fundamental para ampliar o alcance das iniciativas e garantir soluções mais integradas. “A cooperação está no nosso DNA. Mas é preciso intencionalidade para transformar isso em impacto”, observou Keyla Copes Rodrigues, gerente de Responsabilidade Social da Fundação Sicredi.
Ao final do painel, ficou claro que o fortalecimento da inclusão produtiva passa pela combinação de compromisso social, consistência estratégica e colaboração entre setores – elementos indispensáveis para preparar a juventude para os desafios de um mundo do trabalho em constante transformação.
Confira o evento completo:
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