Na Mídia – A complexidade do S do ESG

Bons indicadores cumprem papel vital na retroalimentação da agenda do desenvolvimento sustentável

Os fatores sociais, entre aqueles abordados pelo ESG, são em muitos aspectos os mais desafiadores da sigla tão debatida pelo mundo corporativo nos últimos tempos. A atuação privada passa por importante processo de transformação no âmbito do desenvolvimento sustentável, sendo crescente o reconhecimento de que o setor privado cumpre papel relevante no enfrentamento e superação de desafios sociais, e que não se limitam a meras fontes de risco para os negócios, mas são, por sua vez, oportunidade para que as empresas ampliem sua geração de valor para a sociedade.

Reconhece-se cada vez mais a necessidade de o mundo corporativo atuar em um ambiente mais amplo de enfrentamento de desafios sociais, assim como emerge a compreensão de que a superação destes desafios, assim como seus efeitos deletérios, envolve questões econômicas, políticas, sociais e ambientais profundamente conectadas. A título de exemplo, cita-se a ênfase que o último Relatório de Riscos Globais, do Fórum Econômico Mundial, conferiu a questões como o aumento do custo de vida e a deterioração da coesão social como algumas das principais fontes de riscos à economia global nos próximos anos.

Professores de Harvard que desenvolveram o conceito de valor compartilhado alertam que ignorar a sinergia entre performance financeira e geração de impacto social no mundo corporativo pode corroer o impacto e a legitimidade do capitalismo.

Enquanto se avança na incorporação dos desafios sociais na atuação do setor privado, um debate aparentemente longe da consolidação se refere à mensuração e reporte da atuação corporativa na temática social. Pesquisa realizada pelo CECP (Chief Executives for Corporate Purpose) junto a empresas de todo o mundo revela que os fatores ‘S’ são considerados os mais complexos de serem mensurados dentro do âmbito ESG, indicação dada por 54% das empresas.

Ao mesmo tempo, os requisitos e exigências de conformidade dos relatos ESG estão aumentando em ritmo acelerado, seja de forma voluntária ou por imposição dos reguladores. O CECP revelou que a quantidade de dados ESG disponibilizados publicamente aumentou em 76% das empresas entre 2020 e 2021 e que a expectativa de 73% dos respondentes é de novos incrementos nos relatórios não-financeiros.

No Brasil, os mesmos dados foram coletados pelo BISC (Benchmarking do Investimento Social Corporativo), da Comunitas, realizado junto a um grupo de 182 empresas e 11 fundações e institutos corporativos. A maior complexidade do ‘S’ do ESG também foi identificada no contexto brasileiro, indicada por 27% dos respondentes, taxa superior àquelas obtidas para fatores ‘E’ e ‘G’. Da mesma forma, 64% das empresas brasileiras relataram aumento em seus indicadores ESG em 2021, enquanto 38% têm expectativa de que os relatórios não-financeiros fiquem ainda maiores nos anos seguintes.

O acompanhamento do debate acerca da mensuração de fatores ‘S’ indica desafios importantes a serem superados. Estudo conduzido pela HEC Paris em parceria com a S&P Global Ratings indica inconsistências em como as questões sociais são rotuladas, descritas e organizadas pelas estruturas ESG, que orientam as empresas em seus relatórios não-financeiros. Entre os frameworks ESG analisados, verificou-se que todos possuem lacunas na cobertura de fatores sociais, que existem diferenças entre fatores que são incluídos e excluídos nas estruturas e que diferentes categorias de estruturas – como os standards e os ratings ESG – podem oferecer graus de cobertura bastante distintos para o ‘S’.

Aponta-se como algumas implicações a baixa correlação entre diferentes índices ESG e a necessidade da adoção de diferentes frameworks para a obtenção de um quadro mais completo da atuação social ao nível da empresa. Ainda segundo o estudo, fatores sociais ligados às relações e aos investimentos nas comunidades e aos impactos em grupos vulneráveis são aqueles com menor cobertura e sinergia entre indicadores.

A construção de bons indicadores para a atuação corporativa em fatores ‘S’ e de alguns consensos em torno de melhores práticas é fundamental pois o estabelecimento de padrões e sua adoção em larga escala cumprem papel importante na estruturação de incentivos e no combate à manipulação das informações socioambientais. Estudo da Universidade da California em Los Angeles (UCLA) sobre os determinantes do greenwashing expõe o mecanismo pelo qual investidores, consumidores, concorrentes, estruturas ESG e instâncias regulatórias interagem no sentido de desenvolverem incentivos perversos ao greenwashing.

Empresas com desempenho socioambiental ruim são pressionadas por clientes, investidores e pelo ambiente competitivo a se mostrarem como empresas sustentáveis, incentivando-as a manipular suas informações socioambientais nos ratings e standards, principalmente em contextos regulatórios frágeis.

O incentivo ao greenwashing também pode surgir no ambiente interno da organização, uma vez que elementos como a busca a qualquer custo por bons posicionamentos em ratings ou processos mal desenhados de remuneração variável ao cumprimento de metas também podem gerar incentivos à manipulação.

O advento da agenda “anti-ESG” e as crescentes críticas à agenda do desenvolvimento sustentável nos remete à contínua necessidade de produzir indicadores e evidências de qualidade acerca da sinergia entre performance financeira e geração de impacto social no mundo corporativo. Michael Porter e Mark Kramer, professores de Harvard que desenvolveram o conceito de valor compartilhado, alertam que ignorar esta sinergia pode corroer o impacto e a legitimidade do capitalismo como um veículo para o avanço da sociedade.

A construção e o monitoramento de indicadores têm a função de alimentar o ciclo virtuoso do processo de formulação, implementação e avaliação de projetos sociais. Indicadores construídos com qualidade e rigor aprimoram as atividades realizadas e potencializam seu impacto. Indicadores de qualidade e de relevância potencializam a comunicação da empresa e o engajamento de seus stakeholders de forma
sustentada.

Finalmente, bons indicadores cumprem papel vital na retroalimentação da agenda do desenvolvimento sustentável, no reforço de sua legitimidade e na garantia de sua perenidade.

Por Patricia Loyola, diretora de Gestão e Investimento Social da Comunitas, e João Morais, coordenador de Projetos do BISC

*Texto originalmente postado no Valor Econômico

 

 

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